quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

O que Harry Potter, Percy Jackson e Edward Cullen têm a ver com gays?

Eles são diferentes. Além de serem diferentes entre eles, também são diferentes da maior parte da sociedade (ou daquilo que a sociedade fala que é). Sempre fui fanático por Alice no País das Maravilhas, Crônicas de Nárnia, Peter Pan e outros seres fantásticos em países imaginários. Mas a história do menino bruxo, do carinha semi-deus e do moço vampiro nunca me atraíram o suficiente para seus livros e filmes. Então, cheguei a essas conclusões a partir da conversa com alguns amigos e coisas que vi na mídia.

Aliás, vou dar a conclusão agora, no começo do texto: histórias de adolescentes incompreendidos por uma sociedade preconceituosa dão lucro.


Sobre meninos e lobos... e bruxos, semi-deuses e vampiros


Jacob Black - Entre um bruxo, um semi-deus e um vampiro, não adianta, eu prefiro o lobisomem
 

Harry, Edward e Percy: todos eles são adolescentes. E todo mundo está entojado de ouvir que é na adolescência que descobrimos as coisas mais importantes sobre nós mesmos. Essa foi a premissa das histórias dos X-Men, com poderes e mutações surgindo na puberdade.

Foi na adolescência que a maior parte dos meus amigos gays perceberam ou admitiram que eram gays. Eles eram os bruxos, os semi-deuses, os vampiros, os mutantes. Quem foi gay dentro do armário na adolescência sabe do que estou falando.

Esses três personagens são meio que obrigados a ficarem em bando com seus “iguais”, levando uma vida clandestina e ainda por cima têm que ouvir um monte de porcaria: bruxos são do mal, semi-deuses não existem e vampiros são monstros.



Sobre Harry Potter


Encantado - Harry Potter numa fotinha casual para não tirar a atenção do leitor. A foto para quem não se distrai está em http://maryt.files.wordpress.com/2007/07/dan-saddle3.jpg
 
Potter é um bruxo. Ele é diferente dos trouxas – nos livros e filmes da série, “trouxas” são as pessoas que não têm poderes mágicos. Faz muito tempo que assisti ao primeiro filme, mas pelo que me lembro, Harry era meio mal-tratado pela família adotiva dele, algo a ver com um armário embaixo da escada. DENTRO DO ARMÁRIO. Tipo, os trouxas – ou as pessoas normais – pisavam nele ao subirem e descerem a escada. Quer símbolo de humilhação maior do que pessoas pisando em você??? Esta pergunta foi retórica, acho cuspida na cara e chute na bunda mais humilhantes...

Adolescentes gays também têm pessoas pisando neles – bullying homofóbico é um exemplo, entre outras humilhações maiores. Quando eu era adolescente, e gay, tinha que fazer mágica pra ninguém descobrir sobre mim – eu tinha medo de que eu fosse punido por ser gay, como ser trancado no armário embaixo de uma escada e impedido de sair de lá pra sempre. Eu precisava ficar invisível com meu namorado, inventar poções pra controlar meu tesão, e ter muita, mas muita curiosidade sobre varinhas e vassouras e jamais demonstrar isso.

Enfim, Harry Potter vai para Hogwarts, uma mistura de universo paralelo com instituição educacional para bruxos, em que trouxas não entram. Pra mim, isso é segregação pura. Resumindo: gays são bruxos, e heteros são trouxas. (brincadeirinha)



Sobre Percy Jackson


Semi-tudo - Semi-Deus meio bonitinho que não se encaixa no mundo real, pode matar monstros mas não tem autorização para dirigir

Jackson é semi-deus. Filho de uma mortal junto com o deus dos mares na mitologia grega, Poseidon – ou PoseiBom, vamos ser francos né, aquele ator é um deus. Não li nenhum dos livros, apenas assisti ao filme (e fiquei sabendo que o filme é o equivalente ao resumo da sinopse de um tweet sobre os livros)....

Ele é um menino que descobre ser semi-deus e vai pra um acampamento que também fica num universo paralelo. Mais uma segregação. Não tenho muito que falar de Percy, mas ele é outro exemplo de que história de adolescentes diferentes e incompreendidos dá certo. E a diferença dele também se dá na igualdade: ele é um dos milhares de casos de garoto-problema, expulso de um monte de escolas, descrito como um aluno disléxico, hiperativo, com péssimas notas e rendimento escolar. Mas esses “problemas” são, na verdade, parte de seus poderes. Traduzindo: as escolas deram atenção àquilo que julgaram ser defeitos, e não deram valor para suas qualidades.

É comum ouvir o comentário de que alunos são levados a mudarem de escola porque não se adaptaram. Muitas vezes, a escola é que não se esforçou ou soube identificar as qualidades e necessidades do aluno. A evasão escolar de adolescentes com déficit de atenção ou dislexia é grande, assim como a evasão por alunos homossexuais.



Sobre Edward Cullen


Amaldiçoado - Morto-vivo, geladinho, magro com cara de chapado, louco por um pescoço e virgem assumido


Cullen é o mais polêmico do trio. Ao mesmo tempo em que conseguiu muitos admiradores por ser um vampiro bonzinho, também decepcionou os fãs de vampiros obrigatoriamente malvados. Ame ou odeie. Em minha opinião, dos três, ele é o que mais sofre pela sua condição a ponto de dizer constantemente que é mau, que não tem alma e lamentar por isso. Ele não só acredita na sua natureza má como não valoriza seu esforço para ser bom.

Ele e sua família, ou seja lá o que é aquele grupo, precisam manter as aparências e fazer um esforço imenso para parecem humanos, com alma e do bem. Alguma similaridade com adolescentes gays que são obrigados a parecem heteros para não serem julgados como pecadores, doentes ou perturbados? Alguns deles chegam a se punir por serem gays e, assim como Edward, tratam isso como uma maldição e não desejam isso para aqueles que amam.

Edward e os outros vampiros bonzinhos se escondem porque na cabeça das “pessoas com almas” vampiros são sempre maus. Homossexuais têm dificuldade em viver suas identidades sexuais com medo de serem tratados como vampiros maus.



O que me deixa mais curioso é que esses filmes mostram uma sociedade perversa e sem poderes, em relação a Harry Potter; preconceituosa e ingênua em relação a Percy Jackson; e bobinha e manipuladora, em relação a Edward Cullen. O público está se identificando com as diferenças dos personagens ou com a similaridade dos humanos trouxas com alma?